quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

O Caso Ada

   Não se conhece muito bem o que os eucaliptos escondem além das terras argilosas de Tambaú, aqueles que se confundem com os da imensa floresta da indústria de celulose. No entanto, supõe-se que fora naquela região que ocorrera o caso Ada.
   Hoje de manhã sonhei com ela em meio às lembranças daquele evento. Não me lembro de como a conheci, porém seu rosto, todo seu corpo me parecia familiar, uma mulher com fortes cabelos lisos, bem loiros, influente, poderosa. 
  Talvez a tenha visto semanas antes, quando o trem vindo do sul trouxe minha irmã a São José dos Campos, onde eu e Érica trocamos nosso primeiro beijo dentro de uma piscina. Érica é o amor de minha vida; a princípio, de um modo racional, estudamos juntos e voltávamos juntos da escola, todavia eu era aquele garoto que primeiro descia da van até um feliz dia quando descobri que o motorista morava perto de casa e o convenci a tomar outra rota, devia ter uns oito anos. É, acho que eram oito, pois um ano depois nos mudamos e apenas a via na escola.
   O caso da van, entretanto, não a tinha como motivo e o sentimento era racional (se é que se pode fazer o paradoxo), viera em meus anos na faculdade de cibernética, sem mulheres, enquanto, em nossa cidade natal, parecíamos formar um bom casal: gente boa, inteligente, feminina, mas sem frescuras. Na piscina o sentimento foi carnal; só depois me apaixonei, mas isto, colega, é o que ocorreu depois:
   Há tantas árvores no Brasil, embora nem tantas como outrora, que as florestas do interior de SP passam despercebidas mesmo a um cidadão daqui. Há, no entanto, algo de especial nessas cuja justificativa, quiçá, seja o choque de contrastes. Após incerto tempo, nosso mundo urbano, com todos os seus estresses, responsabilidades e relógios desaparece tão cabalmente que sequer lembramos de quando ou como chegamos lá.
   Conheci alguém que soube aproveitar esse fator, por isso, não me lembro se fora por influência de Ada ou a convite do empresário Mark Vonnemo que deixei minhas férias, minha família e meu início de namoro para trabalhar como seu braço direito no desenvolvimento daquilo que a justiça só permite referenciar por “o que jamais será reconstruído”. Outros chamariam de crime perfeito, mas seria um oximoro, pois somente se vê perfeição ao que faz bem.
   A pouco falávamos de responsabilidade. Outro erro é viver pela maior delas e rejeitar passar um açúcar ou tomar um café em singela companhia – ainda que prefira outro chá. Por muitas vezes agi assim, mas o destino, colega, não me deixa ser mau; em uma delas, minha mão esbarrou levemente em uma porta, mas deixou uma cicatriz.
   Eventualmente encaro as costas de minha mão esquerda à procura da marca, pois não quero que desapareça. Lembra-me, triste, não obstante me lembra de Érica e me recorda também o provérbio de que como a neve é imprópria no estio, a glória cabe mal a um insensato. A cicatriz tem a forma de um sorriso, então revejo a esperança.
   “Lá no meio da mata, tinha uma fábrica, mas que a gente achava ser lugar dos atleta treiná pras maratona” e o restante foi censurado pelos hackers da polícia federal.
   Ada foi minha instrutora na indústria, mas outros falavam por ela; algumas vezes parecia assessora de Mark; outras, chefe de sabe-se lá o quê. Repentinamente vi Érica passar com um jaleco branco; noutro repente troquei duas palavras no refeitório, um verbo “sai!” e uma interjeição.
   Eram as pessoas mais próximas de Vonnemo. O silêncio de uma me intrigava; o da outra me preocupava e parecia não existir mais nada no mundo além do meu trabalho e essas duas vozes quietas. Absolutamente normal não deixar a fábrica ou saber de celas após alguns acessos. Ocasionalmente eu me via a correr entre salas e a pular janelas tentando alcançar telhados em imagens enleadas.
   Quando os investidores se reuniram a Mark, encontrava-me com prisão decretada no mundo do golpista, escondido sobre um toldo com um controle universal, já havia enxergado as costas de minha mão esquerda; porém, desta vez, gravado a confissão do empresário; ao fim da apresentação, expus o vídeo no projetor.
   O instante em que me apaixonei por Érica, tão rápido, quão detalhado em seus cabelos curtos, ondulados, menos loiros que os de Ada, o pátio, o banco em que estava sentada... Tomei sua mão, encontrávamos, distanciávamos e nos reencontrávamos durante a fuga. Vários capangas desciam escadas feito tropas e eu a procurar pelas escadas vazias, pelos corredores apagados. Era preciso trocar de escadas, por Penrose ou pelo risco de ser visto.
   Chegamos a um corredor com celas quando começaram os tiros. Um presidiário, ou Érica, ou Ada mostrou um conjunto de armas em um cilindro próximo a uma coluna. Escolhi uma submetralhadora mistura de AR-15 com MP40 e uma pistola, cujo efeito se obtinha com um único tiro; mas não se baseavam em perfuração; talvez por isso houvesse, entre as que deixamos, uma polimérica.
   Acima das celas, escalada sua parede de uns dois metros e meio, perseguimos um jovem programador enquanto derrubávamos servidores feito colchões. Finalmente atirei contra ele. Uma ponte de borracha e, finalmente, o telhado, de onde vimos a polícia cercar a fábrica e o lugar, concomitantemente, voltar a ser um centro de esportes.
   Pouco tempo se passou, mas já é raro encontrar um conhecedor do caso. Érica foi trabalhar na Europa, enviou-me um e-mail ontem, disse que a neve já derrete e forma imagens turvas assim como o que se lembra do caso Ada, a menos o que consta no arquivo da polícia federal, na seção H, de Hipnose, em Brasília-DF.


Endereços das imagens: http://www.flickr.com/photos/31296501@N03/3197209011/, http://andreewallin.deviantart.com/art/Mecha-factory-97454256, vicentedutra.famurs.com.br, http://andreydubinin.deviantart.com/art/Morning-coffee-04-140731897?q=boost%3Apopular%20coffee%20girl&qo=30

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