quinta-feira, 29 de julho de 2010

Obsessão urbana

  -Por que tanto confessar sendo inocente?
   -Fui eu.
   -Droga, será que não dá para falar outra coisa, tento-te ajudar!
   -Fui eu. - E correu na direção da porta lateral que se abria dentro da delegacia da polícia federal da cidade de...
   Conversavam o casal de guardas atrás do vidro. Ele foi encontrado na Anhanguera e desde então só dizia aquilo. Havia também uma estrada de terra perto dali, onde três dias depois encontraram o artefato.

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   -Hoje é o melhor dia da minha vida, dizia Cecília a cada dia entre os três meses que conviveu com...
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   Foi de repente que Carlos decidiu partir; levou apenas uma mochila de uns dez litros na garupa da motobilete; dias depois ainda soube de um convite de emprego em Rondônia, pensou, mas não se arrependeu de escolher uma cidade longe, mas não longe o suficiente de Ana Beatriz.
  Ao chegar a Santa Luzia de Minas Gerais se perguntou finalmente o que estava fazendo lá; resolveu voltar; mas nem tanto. Exagerou no jantar, ainda que sozinho, em um belíssimo restaurante indiano em BH e viu que não teria mais dinheiro, pois cancelara sua conta no banco antes de partir.
   É difícil sumir hoje em dia; você conseguirá recuperar sua conta em outra cidade dentro do Brasil e o orkut não permitirá que você deixe alguém; pode ser que, involuntariamente, estará digitando o endereço dela no twitter.
    Quis uma cidade grande, ocupado o suficiente para se preocupar com as notícias do mundo, mas perto quando decidisse voltar, encontrou Hong Kong na internet, escolheu Londrina no Paraná.


    Conseguiu um emprego, afinal, Carlos era renomado na área, também fez um curso por três meses na UEL. Passou o natal na cidade e também suas primeiras férias, recusou doze mulheres, dois pedidos de namoro e uma oferta para trabalhar em Cuiabá. Também recusou o taxi e voltou a pé da PUC ao cambezinho, vendo-se no aeroporto, disposto a não voltar.
    Mas quando faria um ano que mudara de vida, soube que desta vez ela quem partiria. Noite difícil, assistiu sozinho na penúltima fila da igreja ao casamento mal contado de Cecília e, ao procurar por Ana Beatriz, chegou a dar pequenos socos em seu próprio rosto quando noticiado que esta viajaria para Londres, não em intercâmbio de seis meses como pretendia, mas para testemunhar a favor de Marcos, por falsificação de um famoso quadro de artista espanhol. Vasculhou uma meia hora até descobrir que se tratava de seu noivo.
   No entanto, Marcos não liderava a gangue, foi influenciado por seu amigo e quase chará, um certo Mark Oliver, a guiar o segundo furgão, o primeiro e único a ser apreendido, sem quadro, apenas com os dois latinos do bando.

   A neblina naquela manhã pareceu mais alaranjada que o costume, Ana Beatriz estaria desesperada. Carlos sempre considerou que o que ele havia feito havia sido pior: nada, nada fez por Ana Beatriz, por sua felicidade e acreditava que ela realmente sabia amar.
   Googou por Marcos; não era só Marcos, era Marcos Alexandre, arquiteto urbanista,  ou qualquer coisa mais atenta que Carlos.
   Carlos também tinha amigos conhecidos em Londres, Durham, Birmingham, Reading e Oxford, inclusive doutores em artes; mas, a princípio partiu sozinho. Só, como sempre esteve. Invadiu um ou dois computadores, comprou um furgão, pintou de cinza claro.
   Ao voltar, por Guarulhos, tomou um carro pela Anhanguera até uma usina abandonada; em poucas horas Cecília o encontrou na delegacia.


 Imagens: Wikipedia (Hong Kong), br.olhares.com (Londrina), photoanswers.co.uk (Londres)

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